Carta de Bill Stein Husenbar III

Querido Rogério

Começo esta carta com uma questão que me tem dado que pensar. O que aconteceu aqueles que imperavam e hoje atravessam, com dificuldade, as ruas da amargura? Aqueles que agora rastejam, choram e se envergonham? Modo estranho de encetar mais um longo conjunto de linhas mas, irás perceber certamente. Sabes que eu não escrevo banalidades, escrevo o que é meu, e tudo o que é meu tem um sentido mesmo que não seja compreendido. Este nosso destino, Rogério querido… Cansado dessa linha traçada por terceiros. Exausto de não puder ter poder total nas minhas escolhas. Questiono então até que ponto as decisões são minhas? Quão condicionadas estão pelos outros? Chamemos-lhe destino, natureza ou força superior mas a verdade é que existe algo superior a todos nós e que nos influenciam a vida. O destino é uma mistura de traduções, de decisões com um pouco de disposição de todos os outros que nos rodeiam. Sabes o que me dizia Sophie? Reproduzo-te o que me recordo da sua última carta: “Odeio esta mania contemporânea de sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada aos pobres de pantufas e da serenidade. Amor é amor. É essa a beleza, é esse perigo. O nosso amor não é para compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. (…) O nosso amor não é para nós amarmos, é para nos levar de repente ao céu a tempo ainda de apanhar um bocadinho da porta do inferno aberta. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um, como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é uma verdade..." Esta minha deusa é tão vincada, tão personalizada e dotada de inteligência e de um traço aguerrido e autoritário… Quando ela me falava de amor eu dizia-lhe: “In my dreams you're mine, in my life you're a dream.” Meu Rogério, ela era tudo para mim… Viver sem ela será um enorme desafio para o qual não estou preparado. Não sei se guardo todas as memórias timbradas ou as elimine por completa? Que patetice, nunca serei capaz de as atirar para a escuridão. Provavelmente irei guardá-las no meu cofre e, mais tarde deixar-me-ei levar pelo pecado do “amor (não) esquecido”. Vão ser elas que manterão acesas as esperanças de uma possível (ou não) reconciliação. A minha mente precisa de ser fulminada pelas palavras fortes, atentas, ágeis e vivas. O sonho não pode morrer porque eu não quero! Não posso compactuar com ideias e ideais que não são meus. Por mais músicas que componha todas deixarão de ser tão expressivas e melodiosas como as antigas. Tragédia! Sabes que não acredito no destino. Não aceito ser condicionado na minha felicidade! Como podemos resignar-nos assim tão simplesmente como quem vê a chuva a cair? Lutemos então, Rogério. Abandonemos nossos lares e família para ir para o campo de batalha em busca da perfeição e felicidade total. Estes deviam ser os objectivos a (tentar) atingir, durante uma vida. Mas meu bondoso amigo porque tal não acontece? Porque não vamos à procura de mais e melhor? Porque aceitamos o que temos? Não compreendo. Não consigo interiorizar tais pensamentos. Então porque é que eles se queixam? Não passam de uns cobardes, têm medo de ir mais além. Medo de perder tudo… Já não há medo. Agora resta-me conquistar o que já foi meu, iniciar a busca do perdido. Sei que quanto mais falhar mais estarei perto do sucesso total. Os meus erros servirão de base a eventuais situações semelhantes às que falhei e de outro tipo. Conheces-me bem para saber o que representa o falhanço. O fracasso para ser convertido em sucesso tem de nos possuir. Possuir das mais finas veias, músculos, passando pelo coração, olhar e terminando no intelecto. Assim, poderemos ser dominados por uma sensação da qual não desejaremos mais enfrentar. A raiva exalta, o medo acobarda, o rancor possui e o coração chora. É esta força, não sei se é divina, que nos levará para um patamar superior e onde tudo será possível de concretizar. Não lhe chamo ambição mas tem um pouco disso. Sophie classificara-a de “desejo doentio”. Eu chamara-lhe “desejo eterno”. Às sombras dos nossos dedos falta poder e controle. Reconheço que quem atingir tal, poucas razões tem para viver mas gostaria de as provar nem que fosse num último suspiro.

Dou por mim, na noite, a pensar na veracidade de Deus. Afirmo-te que ele não existe e isso não pode ser questionado. Revolucionário? Não, apenas realista… Se tal existisse o mundo não seria tão desumano. Esses patetas que se refugiam na religião estão carentes de esperança e então qualquer fantasia lhes serve para “alimentar” o espírito. A nossa vida não esteve, está nem estará nunca nas nossas mãos. Até podemos controlar em parte mas nunca teremos uma fatia maior que essa. Com tantos anos de vida, vou à exaustão e digo que o que idealizei não se concretizou. Jovem, pensava que querer era poder, hoje desencanto-me. Resigno-me, como os tais malditos, e aceito a pouca sorte. Assemelho-me a este povo que é meu, a esta pátria que é minha: não tenho impulso e espero por algo que eu próprio não sei bem o que é nem quando surgirá. Povo de fatalistas e das grandes conquistas. Inquestionável é que tudo tem uma razão para tal e se não queremos aceitar essa mesma desdita temos de contornar ou ludibriar a razão em nosso favor. E nada melhor do que usar o livre-arbitrio. Arma poderosa não é?
Afinal acho que começo a perceber o que é o “destino” mas mesmo assim não o aceito, prefiro seguir a minha corrente – Steinismo, como tu costumas dizer.

Resta-me dizer-te isto que reflecti, ontem: “ O destino não é algo que se controle, é algo que se aceita e se saboreia com mais ou menos prazer”

Queria-te escrever como a sincronização da minha respiração mas o comboio para o esquecimento parte em breve.
Até breve, meu eterno amigo
BSH