Carta de Bill Stein Husenbar II

Querido Rogério Vaz

Meu confidente das horas longas, escrevo-te com um sentimento de resignação e frustração um tanto ou pouco estranho. Não minto quando afirmo que é difícil ser eu. Acredito que por detrás desta máscara exista um lado tão encantador e maravilhoso como o pôr-do-sol… A noite vai longa e os segredos são poucos. A verdade é que eu tenho fome das discussões inteligentes e filosóficas da qual, juntos conseguíamos encontrar respostas para os mais diversos casos. Saudades de quando a noite entrava já na sua hora de maior clímax e nós defendíamos teses das quais nunca seremos infiéis. Por vezes sinto-me alguém que limita-se a vender a sua alma a qualquer um em troca de atenção, compreensão e companhia. Não vale a pena questionarmos o passado, quanto mais fizermos mais dúvidas certamente surgiram. “Falemos” então de novidades. Por aqui tudo corre na normalidade, o que por natureza já é aborrecido. A banalidade é capaz de desabar o meu mundo. É insuportável não ser explorado pelas dificuldades da vida; não existir desafios. Esporadicamente noto que sou enfrentado por situações alheias a mim mas nada que me desperte aquele sentimento de “perdido” e desorientado. Por vezes questiono quais os nossos limites e até onde nos é permitido ir. O que será que nos impede? Pisando a relva do jardim, assemelho-me a uma criança que nunca saiu das suas paredes e se impressiona com o que a rodeia. Não haverá limites para esses? Para lá do visível nada mais existe, é essa a pura realidade. Então o que procuramos tanto? Talvez a teimosia em não aceitar essa resposta… A verdade vem do prazer e essa busca aguça-nos o deleite. Recordo-me de te ter apresentado Sophie. É ela o meu pecado, a fonte que me faz ir para além das “tais” fronteiras. Ela consegue entreter os meus mais profundos sonhos. Ludibriar-me por ela é um prazer. Desprezo todos aqueles que comentam e sussurram sobre uma eventual relação minha com Sophie Dalmat. Tolos são eles que não aproveitam a vida. Ignoro-os porque me entristecem. Desprezo-os. Limitei-me a seguir a minha felicidade. Como sabes, disse a Sagawa e por isso estou tranquilo. Espantou-me a sua compreensão e o tal pedido. O que fará uma mulher traída pedir clemência assim? Sou só um homem, não compreendo. Enfim. Mas Sophie é totalmente diferente de Sagawa. Viste o brilho daquele olhar? Não acredito que não tenhas reparado naquele fogo que lhe saia do olhar… Tão bela, mágica e divina. Seria um anjo se não cometesse pecados de amor. Perfume de framboesa, doce aroma. Musa da minha mente. Mais doce, sensata e confiante de si… Destaca-se na avenida perante todos os eternamente “outros”… E por mais meteoros que caiam do céu sensível, nada marcará mais o chão do que os seus passos atraentes. Caso feliz e só de nós. Posso estar a ser romântico em medidas excessivas mas os seus gestos levam-me à loucura. Qual o sentido disto tudo, caro Rogério? Até onde e como durará? Repito, haverá limites ou será apenas e só um caso? Não encontro respostas. Sei que prefiro desfrutar das sensações que ela me oferece. É só isso que me interessa. O que é o fundo do mar comparado com aquele corpo de sereia? Se há uma razão para eu existir, acho que sabes qual é. Homem de demência e traidor. Qual o caminho que me espera? “Longo o caminho para os traidores” – recordas-te? Mas qual a estrada a seguir pelo homem que ama verdadeiramente e magoa? Olhei para a rua, Rogério, e o vento era forte. Tão forte que conseguiu colocar troncos enormes nos caminhos desta vila. Da janela, via a raiva de mim e de Deus. Os seus sopros eram ferozes e capazes de penetrar nos corações mais distantes. Será que Ele queria algo comigo? Não compreendo se são súplicas ou anseios de despir as árvores. Subitamente, reparo em duas árvores. Iguais mas distintas. Alturas iguais, plantadas no mesmo local e na mesma altura mas a poucos centímetros de distância entre si. Uma, completamente despida e nua perante o mundo, desprotegida e só. Finos os troncos que possui e os ramos quebradiços. Ao lado, uma possante de folhas bem verdes e recortados até ao mais ínfimo pormenor. Era bela e gostava de ser vaidosa quando o vento a abanava. Era costume. Rogério amigo, porquê estas diferenças? Porque é que umas nasceram para serem admiradas e outras para serem consideradas um fardo e algo morto? Garanto-te que ela não está morta. Dentro da madeira, escuto o bater de um coração cansado mas presente. Porque teimamos em não ser todos iguais? Sei que a igualdade faz perder a essência de descobrir o novo mas é injusto ser se mais ou menos que os outros. Todos devíamos começar com as mesmas posses e condições. Sei que um pouco de água, atenção e admiração irão faze-la mais bonita ainda que a árvore vaidosa mas, isso custa tempo. E tempo é algo o qual não temos ou preferimos gastar em inutilidades. Quantas Sagawa’s e Sophie’s não haverão neste mundo… Despeço-me com saudade.

Até breve
Bill Stein Husenbar