Porque há saudades que não se perdem nem se esquecem as grandes conquistas de uma vida. Sempre estranhei o porquê de admirar da janela do meu quarto, os cavalos que percorriam a quinta num galope inconstante nessas tardes de Outono, em que não se sabia se chovia ou se fazia sol. A verdade é que as árvores se despiam para mim numa dança ritmada pelo saber do vento, trazendo as folhas secas e rugosas até ao pequeno rapaz que observava o mundo da sua janela e

(seria o mundo?)

por ali passavas e, hoje, não sei o que te aconteceu; onde te perdeste e com quem. Recordo os tempos em que nos cruzávamos como perfeitos desconhecidos sem repararmo-nos e muito menos observar as sombras que se abraçavam entre nós num silêncio militante e comprometedor. No seio da juventude, ainda nem provara o sabor de uma mulher e aos poucos percebia que me desejavas à tua maneira meticulosa e verdadeira,

(como é que se sente?)

deixando para trás qualquer tipo de medo, de rejeição ou sentimento de vergonha. Confesso que não percebi que existias até compreender que me querias; ansiavas que fosse teu e que te fizesse feliz num simples punhado de palavras

-Abraça-me

e com raras trocas de carícias. Assim foi, trocávamos olhares ferozes de paixão em sorrisos (demasiado) tímidos como a idade permitia.

(não sei mesmo o que é feito de ti…)

Longínquos e em mundos opostos, recordo os momentos inventados e rascunhados que me acompanham e causam tormentos na alma impura e decepada pelas tristezas de tanto que ficou por cumprir. Cada memória é editada de forma única e exclusiva; esqueço um pormenor, recordo outro, acrescento um e quem saiba se não existe outro, nas recordações de nós ficará sempre uma história que não esqueci

(ou criei?
terá sido um sonho ou realidade?)

demoro a encontrar-me nos enormes labirintos do meu corpo, sedentos de ti e da tua respiração ofegante

(ainda me lembro quando roçavas o teu nariz perfeito e redondo no meu pescoço e te atrevias e sussurrar pelo futuro
- Amo-te
que não chegou a nascer)

cortando-se no fim do meu pescoço, espalhando-se pelo resto do corpo.